sábado, 3 de março de 2012

Os cães do Pastor



Era um dia quente e nesses dias as ovelhas ficavam mais agitadas.  O pastor, como sempre, atendia a todas.  Procurava vigiá-las, oferecia água, abrigo, acalanto...sua voz era ouvida e reconhecida por todas que nele sempre encontravam tudo o que precisavam para ter uma existência tranquila.
Mas entre as ovelhas sempre há uma um pouco mais rebelde.  Curiosa, às vezes agitada, às vezes eufórica e achando-se especialista em todos os assuntos.  Ora dona da verdade, ora dissimulada e manipuladora, tentando mostrar-se detentora de uma sabedoria que não possuía.  Outras vezes, essa ovelha parecia deprimida; isolava-se do rebanho, tinha seu coração angustiado e seu pensamento assoberbado por idéias diferentes, uma sensação de estranheza acompanhada por uma voz que dizia em sua cabeça: "eu não sou daqui...."



A floresta ao redor da fazenda era um convite para a ovelha curiosa; cada árvore frondosa, uns arbustos coloridos, diferentes...mágicos! Esticava o focinho, abria as narinas e procurava sentir o cheiro que vinha do desconhecido.  A cada dia parecia gostar menos da vida que levava e sentia-se mais e mais seduzida pela escuridão da floresta.  Não faltavam avisos e conselhos, mas a mente jovem e impetuosa da ovelha parecia fechada.  Seu impulso pedia,  seu desejo clamava, exigia, ordenava...e ela cedeu.




"Quanto pasto, quanto verde, que delícia!!!", exclamava a ovelha. "Como as outras são tolas, coitadas...umas bobas!".  Sentia-se, afinal, livre, flutuando enebriada com a profusão de cores, sons e odores que a floresta apresentava.
O cuidadoso pastor vem calmamente reunindo seu rebanho, quando é avisado por um empregado:
  - "Senhor, corre que vi tua ovelha adentrar a floresta!  Vem, larga tudo e vamos buscá-la!"
  - "Sei bem que a pequena se foi, meu caro.  Conheço cada uma pelo seu nome, e basta chamá-las para perceber de imediato que uma falta."
  - "Então que fazes tu parado aí, meu Senhor, parecendo despreocupado? Não sabes o que pode acontecer? Uma ovelha longe de seu rebanho é certamente comida de lobos!  Podes imaginar os perigos que ela enfrentará?"
   - "Sei bem o que as misérias que a esperam na solidão da floresta e, apesar de muito amá-la, não deixarei as outras para ir buscá-la. Contudo, certo estou que a terei comigo muito em breve."
   - "Como?"
   - "Dentro do local mais distante e escuro da floresta, onde tudo parecer totalmente perdido e a chance de retomar é cada vez menor, estão soltos a meu serviço dois competentes cachorros."




  - "Cachorros? Que cachorros?"
  - "Trabalham para mim e são exímios rastreadores das ovelhas que se afastam da minha proteção.  Como meus cães são ferozes, e  nossa ovelha muito rebelde e nem sempre se rende com facilidade, às vezes ela volta magoada, maltratada, com vários ferimentos abertos e muitas cicatrizes.  Algumas chegam até mim semimortas, outras nem mesmo desejam viver.  Não importa como ou quando se aproximarão de novo de mim, a realidade é que elas sempre retornarão...ora veja, ali adiante...Que bom, essa não demorou tanto!"
A nossa ovelha curiosa voltava desfalecida, suja, emagrecida e sangrando, arrastada pelos dentes de dois cães ansiosos por servirem seu senhor.
    - "Que animais magníficos, meu caro Pastor! Devoram, amassam, trituram e às vezes deixam muitas cicatrizes, mas inexoravelmente  trazem o desgarrado à tua presença. É espantoso! Diga, ó caríssimo, qual o nome dessas duas feras tão brutas e ao mesmo tempo tão necessária às tuas ovelhas?
   - "Seus nomes? Esses cães atendem ao meu chamado e são conhecidos por todo o meu rebanho como "DOR" e "SOFRIMENTO".



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