segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Poema (que eu tive a ousadia de modificar um poquinho)

 


“Antigamente, os deuses eram homens.
Homens que se tornaram deuses por causa de seus poderes.
Homens que se tornaram deuses por causa de sua sabedoria.
Eles eram respeitados por causa de sua força,
Eles eram venerados por causa de suas virtudes.
Nós adoramos sua memória e os altos feitos que realizaram.
Foi assim que estes homens tornaram-se deuses,
Os homens eram numerosos sobre a terra.
Antigamente, como hoje,
Muitos deles não eram valentes nem sábios.
A memória destes não se perpetuou
Eles foram completamente esquecidos;
Não se tornaram deuses.
Em cada vila, um culto se estabeleceu
Sobre a lembrança de um ancestral de prestígio
E lendas foram transmitidas de geração em geração para
Render-lhes homenagem”.
 (adaptado de) Pierre F. Verger




quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Nossa (íntima) ligação com a Terra


A maioria de nós ainda se lembra de "Avatar", o oscarizado e revolucionário filme de James Cameron, e da mensagem politica e ecologicamente correta de que nossa ligação com o ambiente em que vivemos, os outros seres, enfim, com o planeta de de modo geral, é muito mais ampla do que nossa vã filosofia sonha alcançar. 






Muito bem.  Olhando carinhosamente para essa idéia, achamos na página  do EROS Center, ligado à pesquisa geológica do governo norte americano
 (www.eros.usgs.gov), uma coleção especial de imagens que registra belíssimas paisagens através do recurso da fotografia por satélite. São imagens que incitam a imaginação e, na minha visão, possuem semelhança interessante e às vezes até assombrosa com o corpo humano, seja em perspectiva macroscópica ou microscópica.
Confira e divirta-se: 







Um trecho montanhoso entre as províncias de  Alberta e British Columbia, no Canadá...





...e um trecho da artéria carótida comum esquerda, vista através da ecografia vascular.







Trecho da costa norte da Islândia; um fiord profundo que se projeta para o continente, entre montanhas íngremes. Dá uma olhada nesta figura e veja se não lembra...






...o cerebelo, essa protuberância à direita na imagem acima.











Depois de começar no norte de British Columbia, e fluindo através de Yukon, no Canadá, o rio Yukon atravessa o Alasca, EUA, antes de desaguar no mar de Bhering. Lagos incontáveis e lagoas estão espalhadas por toda esta cena do delta do Yukon.





Não menos interessante  e talvez tão encharcado quanto é este pulmão, peça de estudo anatomo-patológico.  Seu antigo proprietário sofreu de um quadro clínico conhecido como edema pulmonar, onde o órgão sofre as consequências de um "alagamento", por assim dizer.












O deserto de Rub 'al Khali, perto da fronteira entre a Arábia Saudita e Iêmen. As linhas de vento esculpindo  a areia são característica dos desertos de areia imensos, ou "mares de areia", e o Rub 'al Khali é o maior deserto deste tipo no mundo...seu desenho é único...








...como também é única a arquitetura das fibras do músculo cardíaco observada à luz da microscopia.

É isso aí, pessoal.


terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Através da Prece e da Meditação

Em 21/04/09, Paulo Coelho escreveu:
"Meditação e prece são totalmente distintas. Um homem reza quando está precisando de algo ou quando deseja agradecer.  Durante a prece, estamos conscientes de nossos pensamentos e de nossas necessidades. Não há nada de errado nisto – como não há nada de errado com um filho que pede ajuda aos seus pais.
Na meditação, o objetivo é afastar qualquer pensamento e se entregar ao que Krishnamurti chama de luz mental. Procura-se entrar em contato com Ágape – a palavra grega para definir um amor que está além do sentimento de gostar ou não gostar. Com a mente livre de pensamentos, esta luz pode se manifestar.
A prece é um segredo partilhado com Deus.
A meditação é um encontro com o anjo."

Levei um tempo razoável para entender o que era a prece, o que era a meditação; e um tempo ainda maior para começar a usá-las de uma forma satisfatória.
Comecei achando que prece deveria ser um conjunto de frases feitas diligentemente decorado na infância, e que meditação estava ligada a um fakhir hindu sentado impávido em uma cama de pregos. Isso não me ajudou. Contudo, ajudou-me menos ainda achar que não era nada disso, e que todas essas coisas não tinham valor, e deveriam ser trocadas por algo novo.  Busquei a prece perfeita e a mais serena das meditações.  Fracassei.

O Décimo Primeiro Passo parecia torturar-me:

 "Procuramos através da prece e da meditação melhorar nosso contato consciente com Deus, na forma em que O concebíamos, rogando apenas o conhecimento de Sua vontade em relação a nós, e forças para realizar essa vontade."

Trabalhar minha aceitação a respeito do que o mundo me oferecia começou a abrir minha mente.  A minha insolência
ao que me havia sido ensinado abrira as portas de minha arrogância.  E me ensinaram que o arrogante "é o que não roga", ou seja, o que não pede ajuda.  Entendi através de um estudo da Oração da Serenidade, que é facilmente memorizável, como deve ser uma oração, e que já começa pedindo que algo me seja dado ("concedei-me, Senhor"), justamente porque com ela vejo meu real tamanho.  E nada me acalma mais do que enxergar quem sou.
Na oração eu partilho minha vontade, sem nenhuma expectativa de que seja cumprida.  Aprendi que Deus não é Papai Noel, e não tem a obrigação de me atender a toda hora, ainda que eu esteja sendo um "bom menino".  Com isso, não reclamo mais. Não sou mais alvo de minha intolerância.  Eu agora, em meu Terceiro Passo, simplesmente entrego.
Meditar foi mais fácil.  Bastou aprender que em minha passagem pelo mundo eu teria pouco a dizer e muito a ouvir.  E que o segredo não estaria na qualidade das coisas que eu dizia, mas na quantidade de  coisas que eu seria capaz de ouvir.  Todos os sikhs e fakhirs que eu tinha na época como estereótipo do conceito de meditação o faziam em silêncio. Em silêncio comecei a observar.  O silêncio respeitoso que eu dava ao mundo me era devolvido em forma de respostas.  Sim, passou a funcionar.  Calado como nunca gostei de ficar e atento a algo mais de que meu próprio umbigo, finalmente conseguia ouvir respostas, que por sinal eram muito diferentes das "verdades"  pré fabricadas que eu defendia.  Meditar era ouvir a voz de meus iguais, descobri serem eles os "anjos" de que Paulo Coelho falava.  O nirvana era alcançado através da escuta atenta ao que o outro dizia, da permissão que eu dava a mim mesmo para receber seus abraços e de não mais me permitir ficar isolado. Oração e meditação foram coisas que decidimos experimentar, e quando surgiram resultados inesperados, nós vimos as coisas diferentes; de fato, sentimos de forma diferente e acabamos capitulando totalmente diante da meditação e da oração. E isso, descobrimos, pode acontecer com qualquer pessoa que experimente. Acertou quem disse que “os chacoteadores da oração são, quase sempre, aqueles que não a experimentaram devidamente.”

SPH






Quem você acha que falta aqui?



A figura abaixo mostra uns caras que a maioria de nós conhece, ao menos de nome, e que todos sabemos que as suas idéias foram e são importantíssimas na formação do pensamento humano e também na busca pela saúde mental.
Mas certamente cada um de nós conhece outro pensador, outro teórico interessante que pelo seu trabalho e pensamento merece estar aqui entre esse "bons companheiros".  Diga quem é seu escolhido e o porquê dele merecer fazer parte do nosso "Esquadrão Psi".



Abraços.







OS DEZ MANDAMENTOS DA SERENIDADE



1 - SÓ POR HOJE, TRATAREI DE VIVER EXCLUSIVAMENTE ESTE DIA, SEM QUERER RESOLVER O PROBLEMA DA MINHA VIDA DE UMA SÓ VEZ.

2 - SÓ POR HOJE, TEREI O MÁXIMO CARINHO COM O MEU MODO DE TRATAR OS OUTROS: SEREI DELICADO NAS MINHAS MANEIRAS E NÃO CRITICAREI NINGUÉM, SENÃO A MIM MESMO.

3 - SÓ POR HOJE, SENTIR-ME-EI FELIZ COM CERTEZA DE TER SIDO CRIADO PARA SER
FELIZ, COM A CERTEZA NÃO SÓ NO OUTRO MUNDO, MAS TAMBÉM NESTE.

4 - SÓ POR HOJE, ADAPTAR-ME-EI ÀS CIRCUNSTÂNCIAS, SEM PRETENDER QUE AS CIRCUNSTÂNCIAS SE ADAPTEM TODAS AOS MEUS DESEJOS.

5 - SÓ POR HOJE, DEDICAREI 10 MINUTOS DO MEU TEMPO A UMA BOA LEITURA, LEMBRANDO-ME QUE ASSIM COMO É PRECISO COMER PARA SUSTENTAR O CORPO, TAMBÉM A LEITURA É NECESSÁRIA PARA ALIMENTAR A VIDA DA MINHA ALMA.

6 - SÓ POR HOJE, PRATICAREI UMA BOA AÇÃO SEM CONTAR A NINGUÉM.

7 - SÓ POR HOJE, FAREI UMA COISA DE QUE NÃO GOSTO, E SE ME SENTIR OFENDIDO NOS MEUS SENTIMENTOS, PROCURAREI FAZER COM QUE NINGUÉM O SAIBA.

8 - SÓ POR HOJE, FAREI UM PROGRAMA BEM COMPLETO DO MEU DIA. TALVEZ NÃO O EXECUTE PERFEITAMENTE, MAS EM TODO CASO VOU FAZÊ-LO. GUARDAR-ME-EI BEM DE DUAS CALAMIDADES: DA PRESSA E DA INDECISÃO.

9 - SÓ POR HOJE, SEREI BEM FIRME NA FÉ DE QUE A DIVINA PROVIDÊNCIA SE OCUPA DE MIM COMO SE SOMENTE EU EXISTISSE NO MUNDO AINDA QUE AS CIRCUNSTÂNCIAS SE MANIFESTEM AO CONTRÁRIO.

10 - SÓ POR HOJE, NÃO TEREI MEDO DE QUALQUER COISA. EM PARTICULAR, NÃO TEREI MEDO DE CRER NA BONDADE.

Viva o 'tríduo momesco!'

Esse artigo do Arnaldo Jabor foi publicado no jornal O Estado de S.Paulo em 15 de fevereiro de 2010.  Não poderia ser mais atual.  Divirtam-se:

"Todo ano meu artigo cai na terça-feira de carnaval e todo ano me repito sobre o chamado "tríduo momesco", como escreviam os jornalistas barrocos. Os bombeiros eram os "bravos soldados do fogo", um incêndio era o "belo horrível" e "no desastre o trem ficou reduzido a um monte de ferros retorcidos". E o carnaval era o "tríduo momesco".

Todo ano, espremo a cabeça sobre o assunto - nostalgias, pretensas reflexões - e nada sai de novo.
Assim, resolvi fazer uma antologia de mim mesmo sobre forrobodó de fevereiro, o farrancho, a folia, a folgança, o banzé, a bambochata, como rezam os sinônimos do genial dicionário analógico de Francisco dos Santos Azevedo.
Muito bem.
Acho o carnaval nossa patuscada e grandeza. Como pode o mundo achar o carnaval um desvio da razão, este mundo insano de Chávez, Irã , Iraque, de bombas "clean" contra bombas sujas? O carnaval nos vê e exibe a matéria de que somos feitos, por baixo dessa mímica de "Ocidente" que tentamos há quatro séculos.
A África e os índios nos salvaram, assim como salvaram os USA. Que seria da América sem o jazz?
O carnaval é feminino; o "rock" é de homem. O "rock" é guerra; o carnaval é luxo e volúpia. As mulheres que flutuam no ar dos desfiles estão além do desejo real. Conquistadas, elas seriam reais, mas nosso desejo as quer como metáforas inatingíveis.
Se bem que, nos musicais americanos, quem inventou as escolas de samba na tela foi o americano Busby Berkeley, esse gênio esquecido.
Talvez nosso carnaval seja uma doença salvadora, uma epidemia de delírio de que o mundo precisa, além da guerra, da velocidade e do mercado cruel.
A "razão perversa" é a razão do carnaval. Não a perversão como "pecado", mas como a busca de uma civilização "não civilizada", de retorno a uma animalidade perdida e pulsante.
A sacanagem das matas profundas é diferente das surubas calvinistas de Nova York, que inventaram o sexo torturado nas boates doentias e acabaram na Aids. Nosso carnaval mostra que o Inconsciente brasileiro está a flor da carne. Quanto mais civilizado o país, mais fundo o recalque. Já imaginaram nossa cascata de bundas na Suíça?
Antes, o carnaval começava no Rio com as marchinhas tocando no rádio desde dezembro, sob o canto das cigarras do verão.
Na terça-feira (hoje) eu ia com meu pai à Avenida Rio Branco, ver a passagem das "sociedades" carnavalescas.
Eram carros alegóricos cheios de rodas moventes, de estátuas de papel e massa, grandes e toscas carrancas, estrelas, sóis, luas cobertos de mulheres provocantes. As "sociedades" competiam com nomes góticos como "Pierrôs da Caverna" ou "Tenentes do Diabo". Todo mundo cantava: "Chiquita Bacana lá da Martinica, se veste com uma casca de banana nanica!" De repente, eu vi um carro imenso que era um despotismo de cachos de banana, onde dançava uma mulher lindíssima, completamente nua na proa. Os pais de família, as mães de família (todo mundo era de família) sussurravam: "Olha a Elvira Pagã! Olha a Elvira Pagã!"
Já contei essa história aqui, mas repito.
Elvira Pagã era apenas uma vedete mas, naquele ano remoto, ela queria "provar" alguma coisa. Algumas atrizes como ela (Luz del Fuego e outras) transcendiam o palco e viravam símbolos dos desejos reprimidos no coração das famílias. Eu via nas senhoras distintas a inveja infinita e escandalizada e no olhar de meu pai um brilho faminto que eu não conhecia. Elvira Pagã (que nome anticristão e livre...) foi a precursora corajosa das mulheres nuas de hoje, como Luz del Fuego e Eros Volusia.
Hoje, as mulheres do carnaval travam uma competição frenética de bundas e seios e eu me pergunto: O que querem elas provar? Querem nos levar para o fundo do mar como sereias, querem destruir os lares, querem mostrar que o sexo sem limites resolverá os problemas do Brasil?
Até hoje, quando penso nos carnavais da minha infância, lembro do cheiro do lança-perfume. Carnaval para mim era o cheiro.
O lança-perfume era tudo. Havia uns em vidro, frágeis como ampolas, mas o símbolo do carnaval era o Rodouro Metálico, que ejetava um fino jato de éter, gelando as costas nuas de odaliscas e havaianas que se torciam em risos trêmulos. O perfume flutuava pelas avenidas como uma aragem geral, uma nuvem de felicidade salpicada de pontos coloridos de confetes e rasgada por serpentinas. Hoje, com os corpos malhados, excessivamente nus, falta a celulite, falta o mau jeito, falta o medo, a ingenuidade, o romantismo, falta Braguinha, Lamartine Babo, Mario Lago. Lembro também das escolas de samba a pé ainda na Avenida Rio Branco, um bando de índios de bigode e penas de espanador, pintados de preto, seguidos pelas gordas baianas cobertas de balangandãs.
Naquele atraso havia ainda uma preciosa alma brasileira, um ritmo humano de esperança que víamos no carnaval e no futebol, com Ademir e Zizinho geniais, disputando o Vasco e Bangu, esperança ingênua que se via nos bondes, nos botecos, nos caixotes dos bicheiros nas ruas, nas cadeiras da calçada e até nas favelas líricas e sem droga, sem crimes hediondos.
Este passado ainda se vê hoje no mundo dos foliões anônimos. Nas ruas, está a preciosa origem do carnaval profundo. Lá, estão os desesperados, os famintos de amor, os malucos, os excluídos da festa oficial. O carnaval das ruas está longe do populismo oficial, que transforma o popular em kitsch.
Nas ruas, estão os blocos dos anjos de cara suja, os blocos das escrotas, dos vagabundos, dos bêbados ornamentais, da crioulada pobre.
Só os sujos são santos. Ali, estão as três raças brasileiras entrelaçadas num casamento grupal doido: negros, brancos e índios dando à luz um grande bebê mestiço e gargalhante.
O carnaval de hoje é um grande tumulto. Parece uma calamidade pública musicada por uma euforia disputada pelo narcisismo de burgueses e burguesas se despindo para aparecerem na TV.
Em matéria de saudades, sou nacionalista.
Tenho vontade de botar uma camisa amarela, sair com um reco-reco e um pandeiro na mão e sumir no turbilhão da galeria da minha vida que já passou."



 






domingo, 19 de fevereiro de 2012

Voltaire e a loucura

Os doutos ou os doutores dirão ao louco:

“Meu amigo, não obstante teres perdido o senso comum, tua alma é tão espiritual, tão pura, tão imortal como a nossa; porém nossa alma está bem alojada e a tua o está mal; as janelas da casa estão fechadas para ela; falta-lhe ar, ela sufoca”. O maluco, em seus bons momentos, lhes responderia: Meus amigos, pensais à vossa moda, o que é discutível. Minhas ja...
nelas estão tão abertas como as vossas, porquanto eu vejo os mesmos objetos e ouço as mesmas palavras: é pois necessário que, ou minha alma empregue maIos seus sentidos, ou seja ela própria um sentido viciado, uma qualidade depravada. Numa palavra, ou minha alma é louca por sua própria conta ou eu não tenho alma”.

Um dos doutores poderá responder: “Meu irmão, Deus criou, é possível, almas loucas, assim como criou almas sábias.” O louco replicará: “Se eu fosse acreditar no que me dizeis, seria ainda mais louco do que já sou. Por obséquio, vós que sabeis tanto, dizei-me, por que sou louco?”

Se os doutores tiverem ainda um pouco de bom senso lhe responderão: “Ignoro-o absoluta­mente.” Eles não compreenderão por que um cérebro tem idéias incoerentes; não compreenderão melhor por que outro cérebro tem idéias regulares e coerentes. Julgar-se-ão sábios, e serão tão loucos como ele."

Hannah! Ergue os olhos!




Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar – se possível – o gentio… Negros… Brancos.
Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar ou desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover todas as nossas necessidades.
O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma do homem… Levantou no mundo as muralhas do ódio… E tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, emperdenidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas duas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.
A aviação e o rádio aproximaram-se muito mais. A próxima natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem… Um apelo à fraternidade universal… À união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhões de pessoas pelo mundo afora… Milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas… Vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não desespereis!” A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia… Da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem os homens, a liberdade nunca perecerá.
Soldados! Não vos entregueis a esses brutais… Que vos desprezam… Que vos escravizam… Que arregimentam as vossas vidas… Que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como um gado humano e que vos utilizam como carne para canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar… Os que não se fazem amar e os inumanos.
Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas é escrito que o Reino de Deus está dentro do homem – não de um só homem ou um grupo de homens, mas dos homens todos! Estás em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela… De fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo… Um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.
É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos.
Estás me ouvindo? Onde te encontres, levanta os olhos! Vês? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo das trevas para a luz! Vamos entrando num mundo novo – um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos! Ergue os olhos!




O Milagre e a pressa



"Não quero rezar para me proteger dos perigos, mas para ser destemido ao encará-los. Não quero implorar para que me retirem a dor, mas para que tenha um coração que a possa conquistar."
Rabindranath Tagore

Hoje é domingo de carnaval e ainda estamos todos sobre o reinado de Momo. Todos.  Inclusive aqueles que como eu, insistem em não se render. Nas ruas, nos blocos, nos desfiles, ou em casa, em retiros espirituais, afastados da folia, o fato é que nossas rotinas foram alteradas.  Não gosto disso, não quero isso, quero minha vida dos outros 361 dias do ano.
E aí o que fazer?  Procurei meditar um pouco e lembrei-me do que digo, com frequência, aos meus pacientes ansiosos, que me perguntam sobre prazos, tempo de tratamento, quando o medicamento fará efeito, etc, etc, etc....e costumo então responder que "a aula de milagre eu faltei."  Faltei mesmo.  Mas então o que fazer com a urgente necessidade de ser feliz...ou de, ao menos, estar calmo?
Quero pensar nesse momento no que seria a vida.  Seria um agradável domingo no parque ou uma escola de guerra espartana?  Nada disso? Um pouco dos dois?  Um lugar de aprendizado onde nem tudo são flores, mas um dia a gente descobre o prazer de crescer, ou uma angústia sem sentido onde nunca acharemos nada a não ser sofrimento?  Em sua obra "O Mal-Estar na Civilização", Freud coloca que:

"É impossível fugir à impressão de que as pessoas comumente empregam falsos padrões de avaliação,isto é, de que buscam poder, sucesso e riqueza  para elas mesmas e os admiram nos outros, subestimando tudo aquilo que verdadeiramente tem valor na vida."

Ser calmo ou feliz olhando a vida através da ótica da minha vontade é sucídio emocional (e se bobear é também físico).  Olhar o mundo como se ele tivesse a obrigação natalina atender toda a minha lista de revindicações é perda de tempo, como é perda de tempo dizer que as coisas ou pessoas "me irritam"; na verdade, eu é que estou dando poder ao outro para me irritar.

Posso aplicar aos meus momentos ruins e a angústia da espera a técnica do "ponto de ônibus".  Basta aguardar, que em algum momento, ainda que demore, eu certamente sairei daquele lugar onde estou.  Essa espera sem sofrimento está contida no Segundo Passo, inicialmente porque ali é onde "viemos a acreditar".  Surge uma fé que dissolve o medo, olho para o lado e vejo que "tem mais gente esperando o ônibus".  Converso, divido, partilho, e o mundo, estranhamente, apesar de continuar não se apresentando como um lugar ideal, fica muito mais fácil de digerir.
Bom domingo.




sábado, 18 de fevereiro de 2012

UBUNTÚ - para mim e para tu.



Um antropólogo estudava os usos e costumes de uma tribo na África, e porque ele ...estava sempre rodeado pelas crianças da tribo, decidiu fazer algo divertido entre elas; Conseguiu uma boa porção de doces na cidade e colocou todos os doces dentro de um cesto decorado com fita e outros adereços, e depois deixou o cesto debaixo de uma árvore.

Aí ele chamou as crianças e combinou a brincadeira, que quando ele dissesse “já”, elas deveriam correr até aquela árvore e o primeiro que agarrasse o cesto, seria o vencedor e teria o direito de comer todos os doces sozinho.

As crianças se posicionaram em linha, esperando pelo sinal combinado.

Quando ele disse “Já!”, imediatamente todas as crianças se deram as mãos e saíram correndo juntas em direção do cesto. Todas elas chegaram juntas e começaram a dividir os doces, e sentadas no chão, comeram felizes.

O antropólogo foi ao encontro delas e indignado perguntou por que elas tinham ido todas juntas, quando só uma poderia ter tido o cesto inteiro.

Foi ai que elas responderam: - “UBUNTU!!!” “Como um só de nós poderia ficar feliz se todas as outras estivessem tristes?“

UBUNTU significa: - “EU SOU, PORQUE NÓS SOMOS!”

Às vezes a gente pensa que vem pra África para ensinar a eles, quando na verdade a gente tem muito que aprender com eles. 



O papel do Psiquiatra no tratamento da Dependência Quimica.


"As drogas, mesmo o crack, são produtos químicos sem alma: não falam, não pensam e não simbolizam. Isto é coisa de humanos. Drogas, isto não me interessa. Meu interesse é pelos humanos e suas vicissitudes."
Antonio Nery Filho


É fato.  Olhar o paciente usuário de drogas como somente um dependente químico é um reducionismo perigoso.  A relação do indivíduo com as drogas desgasta sua personalidade ou sequer permite a construção de uma, levando a uma conclusão perigosa, mas infelizmente comum, que a questão está somente na droga. Se prestarmos atenção aos 13 principios para tratamento eficaz recomendados pelo NIDA ( National Institute on Drug Abuse), poderemos tecer algumas considerações. Vejamos:

PRINCÍPIO 1- Um único tratamento não é apropriado para todos os indivíduos.

PRINCÍPIO 2 - O tratamento precisa estar prontamente disponível.

PRINCÍPIO 3 - Um tratamento eficaz é aquele que atende às diversas necessidades dos indivíduos e não apenas ao uso de drogas.

PRINCÍPIO 4 - O tratamento de um indivíduo e o plano de serviços devem ser continuamente avaliados e modificados quando necessário para garantir que o plano atenda às necessidades mutantes da pessoa.

PRINCÍPIO 5 - A permanência no tratamento por um período adequado de tempo é essencial para sua eficácia.

PRINCÍPIO 6 - Aconselhamento (individual e / ou em grupo) e outras terapias comportamentais são componentes cruciais para um tratamento eficaz.

PRINCÍPIO 7 - Medicações são um elemento importante no tratamento de vários pacientes, especialmente quando combinadas com aconselhamento e outras terapias comportamentais.

PRINCÍPIO 8 - Indivíduos com distúrbios mentais que sejam dependentes das drogas devem ser tratados de maneira integrada de ambos os problemas.

PRINCÍPIO 9 - Desintoxicação médica é apenas o primeiro estágio do tratamento e por si mesma contribui pouco para mudança a longo prazo de uso de droga.

PRINCÍPIO 10 - O tratamento não precisa ser voluntário para ser eficaz.
PRINCÍPIO 11 - O possível uso de droga durante o tratamento deve ser monitorado continuamente.

PRINCÍPIO 12 - Programas de Tratamento devem proporcionar avaliação para AIDS/ HIV, Hepatite B e C, Tuberculose e outras doenças infecciosas e Aconselhamento para ajudar pacientes a modificarem comportamentos de risco de infecção.
PRINCÍPIO 13 - A recuperação da Dependência Química pode ser um processo a longo prazo e freqüentemente requer vários episódios de tratamento.

Fontes: NIDA – National Institute on Drug Abuse

Especialmente para familiares de pacientes internados, esses princípios devem ser tornados conhecidos e discutidos com muita atenção.  A necessidade de um olhar multidisciplinar, de ter tempo hábil para perceber um duplo diagnóstico e a partir daí tratar a outra doença além da DQ, a compreensão de que a doeça prevê recaídas e que isso não necessariamente significa um fracasso no tratamento, mas uma etapa da doença.  Afastar o preconceito do individuo contra si mesmo, e da familia e da sociedade, nos facilitará a ver cada paciente como um ser humano único, com necessidades próprias, e que merece ter uma visão individualizada da equipe que o trata. 
O profissional de saúde mental que atua com dependentes químicos deve fugir da visão referencial da doença, do tipo "tomada aérea da cracolândia", quando assistimos na televisão imagens de dependentes químicos feitas de helicopteros, ora distanciadas, ora desfocadas. É preciso profundo mergulho, caso a caso, em cada alma que pretendermos tocar, e ao fazê-lo, é prudente seguir a sábia recomendação de Carl G. Jung:
"Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana."


Serei mesmo eu um "médico de malucos"?


PSIQUIATRIA, no Dicionário Etimológico (Silveira Bueno)

s.f.
Grego: psykhè, alma; e íatros, médico; e o suf. ía.

Parte da medicina que estuda os males do espírito, as doenças mentais, e procura saná-las.

Dizem por aí que psiquiatra é médico de loucos. de gente muito doida que precisa tomar uns remedinhos para ser feliz.  Se assim for, que faço nessa profissão?  Trato doidos que nunca deixarão de sê-lo. e uso o poder de meu receituário para acalmar, sedar, anestesiar, conter e manter o outro sob minha influência?
Recuso-me.
Prefiro ver o médico que sou como foi definido por Mário Pedrosa: “As imagens do inconsciente são apenas uma linguagem simbólica que o psiquiatra tem por dever decifrar. Mas ninguém impede que essas imagens e sinais sejam, além do mais, harmoniosas, sedutoras, dramáticas, vivas ou belas, constituindo em si verdadeiras obras de arte”.
Em consequência, prefiro ver meus pacientes com os mesmos olhar sábio de Bispo do Rosário: "Os doentes mentais são como beija-flores. Nunca pousam. Estão sempre a dois metros do chão."